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dedicado a todas as vítimas
da ação da PM paulista
na região da estação da Luz
entre dezembro de 2011
e janeiro de 2012
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I
Como homens lobotomizados
vagam na escuridão
envoltos em mantos esfarrapados
Sedentos.
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Fustigados pela vida
mancam das pernas e do espírito
com a mão estendida
(pedindo clemência ou níquel)
ou armados de cacos de vidro
– camuflados na cinza paisagem da metrópole.
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Atravessaram longas distâncias
em busca da estrela brilhante
que anunciaria a redenção
e a prosperidade
com seus vapores de alfazema e notas amadeiradas…
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Fracassaram.
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Noctâmbulos recorrem
a qualquer brilho fugaz
ou pedra preciosa
na desesperada (e inútil)
tentativa de inalar tais anseios.
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Tal astro de brilho indecifrável
é uma lanterna no fim de um túnel
Estreitíssimo.
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.Hoje fedem.
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II
Nem todos os zumbis
vagam na noite.
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Há aqueles que avistaram de relance
a fraca e distante luz
e alçaram novos patamares
……………novos sonhos.
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Esconjuram entanto
o sem número de infortúnios e provações
a que são submetidos
todos os dias.
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O beijo da princesa mítica
lhes retirou do brejo e aliviou a cruz.
Mas ainda palmilham com a plebe.
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Lucífilos incorrigíveis
sentam-se na sala de estar
para receber seus grandes irmãos.
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Anestesiados
inalam com os olhos
os volúveis e voláteis
vapores de LCD.
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A escuridão lhes é indiferente.
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III
Não há beijos para todos
e a cruz pesa sobre os ombros.
Sobre os de uns mais que de outros.
Alguns carregam a de terceiros.
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Machuca os músculos.
Tritura os ossos.
Apaga o espírito.
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Torna-se habitual.
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Como as águas da chuva
que escorrem inertes na ladeira
seguem assim.
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Quando o crepúsculo se apresenta
regressam para casa
vencidos ou esmagados.
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Sentam-se aéreos
como robôs que recarregam a bateria
como moscas hipnotizadas pela luz.
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Contemplam um paraíso sem lastro.
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Justificada sua existência
se entorpecem homeopaticamente
até quando forem suficientes as doses
para tantas dores
que às vezes esquecem sentir.
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A possibilidade ínfima de encontrar a luz
é o que os separa da escuridão.
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IV
A escuridão é desconhecida.
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A escuridão é um mistério.
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Mistérios são armadilhas.
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V
Enquanto todos se entorpecem
Deus mais uma vez
envia seus quatro arautos
para restabelecer a ordem
na madrugada.
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O rubro cavaleiro da gratidão
sorrateiro e silencioso
se aproxima
batendo suas cinco asas amarelas
criando um turbilhão
e tomando de surpresa
aqueles que vagam ou definham
invisíveis nas ruas.
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Ainda tontos
mal sentem o golpe
das três lanças vermelhas
do negro cavaleiro da guerra
com seu ornitológico corpo
saído do mais alto lugar da Terra.
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Caídos no chão
os corpos aguardam a morte
sem agonia.
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Saído do barro escondido sob o asfalto
o cavaleiro com pés de pluma
e suas cinco merletas negras
alça aos céus
os despojos do ataque
sem deixar vestígios.
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Depositados os corpos
onde habitam todas as rapinas
o cavaleiro vermelho
dá o golpe derradeiro
naqueles que não deixarão saudade.
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VI
A escuridão persiste.
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Será preciso mais que essa madrugada
para dissipá-la.
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Mas Deus não desiste
(embora seja repetitivo)
e seus guerreiros são incansáveis.
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VII
O sol desponta.
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Com uma vaga lembrança
sobre o que ouviram falar
da divina ação na madrugada
zumbis e robôs
seguem
o roteiro transmitido na noite anterior
Felizes ou exaustos.
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A realidade é um show
e tem que continuar.
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