em memória de Belchior
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dos diálogos com Bertold Brecht
José Paulo Paes, Manuel Bandeira
e Carlos Drummond de Andrade
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1
O poeta fechou os olhos
dentro da madrugada fria
e as paralelas desapareceram.
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Era um dia comum de abril
neste imenso mapa do tempo
em que costuramos no espaço
a história comum de cidadãos comuns
─ essa gente honesta boa e comovida
que ergue arranha-céus
constrói veleiros e colhe o linho.
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Dia comum de um tempo singular
que nos torna apaixonados e violentos
diante duma esperança que sorri futuro
mas reinventa o que há de mais velho
mesmo para os muito jovens
─ sendo latino-americanos
……………………………..ou não.
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Esse perene presente do pretérito…
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2
Permanece essa urgência de viver
e não nos alienar em fantasias e romances astrais
diante deste tempo sombrio
de novos prisioneiros políticos
e essa velha farda colorida da força
a arrebentar cabeças
a estourar os dentes
a deixar inconsciente
……………………….e matar
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─ na metrópole violenta ou na província.
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Sobre os escombros do muro de Berlim
caído sobre todos
(anunciando a vitória deles
sua ideologia e reestruturação produtiva
e o sinal fechado para nós)
olhamos adiante e além
caçando uma estrela na galáxia distante
─ a centelha do centenário de nossa vitória
e seu canto torto
que cortou a carne da História.
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3
Os pés estão cansados e feridos
de andar as léguas tiranas deste tempo
mas me lembro de Antônio
(não o poeta, o sapateiro)
e lembro que a História não chegou ao fim
não terminou nele, nem se encerra em mim
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que a nossa esperança de jovens
pode não acontecer
mas lutar a vida inteira é imprescindível
para que a nossa memória não se dissolva
─ bruma da pré-manhã
frágil espuma das vagas na praia.
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Carrego essa ideia como uma lanterna no escuro
o sol refletido nas pupilas de um cão
uma bandeira vermelha que tremula
hasteada por mãos experientes do trabalho e do amor
como quem carrega a saudade
na camisa toda suja de batom.
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4
De olhos abertos, amigo
tento não me desesperar.
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Pela dor descobri
o poder da alegria
mas não fiquei entorpecido.
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A vida (ao vivo)
todas as manhãs dá lições de partir
e doer.
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É assim que leio o jornal
e nutro meu ódio
(o melhor de mim).
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Foi assim que chegou a notícia
─ O poeta morreu!
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Partiu sem medo?
Sem remorsos?
Sem saudades?
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Com setenta anos
de sonho
de sangue
de América do Sul
partiu à noite
na sala da casa onde morava.
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Na alvorada
as velas regressaram do mar
(a meio mastro)
e o galo fez seu minuto de silêncio.
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Jonathan Constantino
São Paulo, 2 de maio de 2017
Meu querido poeta. De tudo o que você já escreveu e que amo esta é sua melhor colheita. O poeta colhe da alma e sua homenagem me emocionou tremendamente.
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Querida Rosinha, muito obrigado por suas palavras. Um beijo enorme!
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