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em memória de Cláudia da Silva Ferreira
assassinada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro
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I
a tarde passara com suas chuvas e calores
(ainda restavam programas na TV)
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a lua estava alta no céu
naquela noite de domingo
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grande e brilhante
satélite cravejado de crateras
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II
os olhares e a torcicolo
as máquinas fotográficas
as orações e os gemidos de gozo
todos voltados para o céu
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só na segunda-feira
os olhares se voltaram ao chão
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III
os olhos assistiram à manchete estampada
na capa de um periódico duvidoso
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o crânio cravejado
o corpo arrastado no asfalto
as justificativas das autoridades
o desespero dos quatro filhos
(e dos quatro sobrinhos)
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― gritos choro e ranger de dentes
….aos quatro ventos
….num vale de lágrimas
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IV
os seus olhos não contemplaram
a lua clara na noite escura
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nem pode cantar qualquer canção de ninar
para as crianças sob seu teto
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V
enquanto os dedos ferem o teclado
sugerindo versos (talvez) inúteis
o chão ainda carrega uma mancha indigesta
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