Paisagens, páginas e plataformas

para Alessandra e Anelisa
Diego, Evelyn e Ivone
Letícia, Manoel e Mercedes
Ricardo e Sheila
Tatiana e Vânia

. 

dos diálogos com
Fernando Pessoa
Gonzaguinha
Milton Nascimento
Carlos Drummond de Andrade

I

A janela do trem revela a paisagem
mas esconde (de propósito?)
trezentos e cinquenta e sete passos
a serem dados sob o sol.

.

Se ele olha através do vidro
é que se faz necessário ver
além dos bancos e companheiros de viagem
das propagandas e painéis de informação.

.

Que o mundo, meu bem
é um descabido de árvores
de trilhos e trilhas
de flores de prédios
de soluços risos e prantos
Principalmente de britas.

.

Elas sempre se encaixam
tranquilas e despudoradas
em seus sapatos enormes
— os caminhos ali não cabem.

.

.

II

Cansado de folhear a paisagem
(efêmera como um poema não anotado)
admira as páginas de um livro qualquer
companheiro de sua solidão e sortilégios.

.

A paisagem e as páginas estão lá
como há alguns anos
Imóveis e invisíveis
se não há olhos que lhes devorem

.

Devorar é preciso, viver não é.

.

Ao menos se não for para devorar a vida
lambuzando as mãos os lábios o rosto

.

Lambuzar-se é viver.

.

Besuntado de paisagens e páginas
na ladeira incabível da vida
carrega sua carcaça que goza e luta.

.

.

III

A paisagem rápida feito felino
corre diante dos olhos imóveis
e não conta todos os seus segredos
oferece esparsas e variadas fotografias
e só.

.

Mas atrás daquela moita de hibiscos sabe
vive um homem entrevadamente miserável
sem os cento e setenta e um documentos pessoais
que provam que um certo humano é uma pessoa.

.

Os muros em que sinscreve a poesia urbana
— uma palavra de ordem e protesto
ou simplesmente que o trem é um coração de mãe
ocultam tijolos forjados por mãos infantis
ou por varas ósseas e carcomidas
(pelo tempo a escravidão a cachaça)
Semi-dedos de gente.

.

Enxerga entre as britas
gramíneas e mirtáceas
que se hasteiam aos céus
determinadas (frágeis?).

.

Sabe
muitos olhos que viu em sua frente
já não esperançavam a mínima fresta.

.

— Seria a fé o que nos move?
….Fé na vida no homem no que virá?
….Na terra firme?
….No além mar?

.

….Fé fezes e férias?

.

.

IV

Suas narinas ainda sentem
odores inconvenientes
como o rastro daquele sujeito roto
e sem rota.

.

O café fresco da manhã
o cangote macio de sua mulher
o aroma de manga ou de ponkan
aquele perfume vagabundo do camelô
não o fazem esquecer.

.

A paisagem tem cheiros impalatáveis
com suaves notas de iniquidades e impropérios.

.

.

V

Ninguém lhe mandou notícias
do que ocorria na província
terra traçada pela cruz e o café
mas ele sabia que o mundo é desigual
e combinado
— velho tabuleiro de xadrez.

.

Nada a temer senão o correr da luta.
Nada a fazer senão enfrentar o medo.

.

.

VI

Quando as portas se abrem
é necessário decidir
…………………………..ficar? partir?
antes de tocarem o sinal.

.

Tantas estações
incontáveis plataformas

.

vai vem vai vem vai
na estação
chegam e partem os trens
as pessoas na gare

.

O sujeito gauche vê tudo
de soslaio
e se interroga.

.

.

3 comments

  1. Agradeço Jonathan pela arte criada em palavras, descrevendo a vida com emoções,
    fotografada em cores e movimentos, nos mostra a beleza em prosa e música.
    Obrigada por nos enriquecer, ao compartilhar suas criações.
    Mande sempre noticias suas,
    Uma ótima jornada de trabalho,
    Sucesso e muitas amizades novas,
    Forte Abraço.
    Mercedes

    Gostar

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