dos diálogos com Pablo Neruda, Vinícius de Moraes
e Sá & Guarabira
OS RIOS
I
não importa sua substância
Cobre?
Madeira?
.
tampouco sua origem
Piracicaba?
Tocantins?
Paraná?
Titicaca?
Panamá?
.
nem mesmo sua identidade
Francisco?
Madalena?
.
tudo isto pode ser trocado
por trinta moedas de ouro
.
.
II
as águas que romperam
pelos meandros de seu caminho
todo o sal da geologia
perfuraram rochas
se lançaram em quedas suicidas
e copularam com o mar
Paralisaram
.
diante do concreto armado
.
.
OS AFOGADOS
I
a torneira rangeu
.
………..g
………..o
………..t
………..a
.
………..a
.
………..g
………..o
………..t
………..a
.
sobre a pia solitária
da casa
.
.
II
cansados naquela cama
os dois miravam o teto
no quarto escuro
.
.
III
era possível contar
as voçorocas de suas mãos
.
fotografia do chão que araram
de lua a lua
.
.
IV
a casa tinha
teto tinha parede
tinha banheiro tinha
chão
.
não teria mais nada
(isto não tinha graça)
.
.
V
numa manhã qualquer
as mesmas águas de seu batismo
do suor a minar do corpo que trabalha
e ama
da mijada no pé da cerca
da chuva necessária ao chão e à semente
cumpriram a profecia do dilúvio
.
deus desta vez
esquecera de ordenar
a construção de uma arca
.
.
VI
o sertão e a selva
viraram mar
.
E morte
.
.
VII
o dilúvio chegou também
à terra dos rios
de leitos de concreto
e secos de peixe
.
arrastou tudo
dos que nada têm
.
atravessou paredes e feridas
carregando móveis corpos carros
e germes
.
por mais um ano seguido
.
.
VIII
os jornais deram a notícia
.
……………MORTES
…………ENCHENTES
………DESLIZAMENTOS
EMVÁRIOSLUGARESDOBRASIL
.
os jornais não disseram
que a pedido do governador
a empresa de saneamento
abriu as comportas de contenção
do rio enclausurado
.
era preferível deixar umas famílias
no pântano
a alagar a grande marginal Tietê
(menina dos olhos na campanha eleitoral)
.
.
IX
árvores bichos e gente
não sabem andar sobre as águas
.
.
X
a estiagem
a água baixa
homens mulheres crianças
e cães
andam por entre o entulho
— ratos e baratas espreitam
.
homens mulheres crianças
buscam recolher o lixo
deixam pegadas na lama
tentam juntar os cacos
de sua história
.
Tantas vezes rasurada
.
.
HÚMUS
.
leu as manchetes dos jornais
…..os números de mortos
…………………de desalojados
…………………de megawatts
.
tomou um gole de água
gelada
.
.
concluiu
.
— a quem não interessam
a cumplicidade ou a resignação
Só resta a luta.
Publicado originalmente em:
http://www.mabnacional.org.br/?q=artigo/igua-u
Grande Jonathan!
Esse poema já é um clássico.
E tem bastante força.
Com admiração,
Grande abraço!
P. Nathan
GostarGostar
Obrigado pelo carinho e pelas palavras, meu querido sambista!
Um forte abraço,
J.
GostarGostar
muito bonito adorei a verdade nua e crua parabens
GostarGostar
Oi Vera!
Obrigado pelas palavras e, que bom saber, que aquilo que escrevemos foi capaz de sensibilizar as pessoas.
Um forte abraço e obrigado pela visita.
J.
GostarGostar
“— a quem não interessam
a cumplicidade ou a resignação
Só resta a luta.”
Eh, amigo!
Nao tem jeito nao… vamos a luta! ;)
Beijao!
GostarGostar
“era possível contar
as voçorocas de suas mãos
fotografia do chão que araram
de lua a lua”
Fantástico.
Parabéns.
GostarGostar